O solitário homem do parque estava feliz. Finalmente atenderam seu pedido e lhe trouxeram um animal para cuidar. Um ganso.
- Sabia que você fede um bocado? Deve ser algum tipo de glândula, sei lá.
- Grau - respondeu apenas o ganso.
- Como grau? O que é que você quer dizer com isso?
- Grau - repetiu o ganso.
- Sei. Quer dizer que sou obrigado a entendê-lo, por circunstâncias?
- Grau, grau.
- E o que quer dizer isso duas vezes? Sim? Ou não? Quer dizer que sim, que você concorda que eu devo entendê-lo, dadas as circunstâncias, ou não, que não passa de uma bobagem? Diga alguma coisa.
- Grau.
- Sei. E isso quer dizer “sim”.
- Grau, grau.
- Eu não perguntei se queria dizer “sim”. Eu afirmei.
- Grau.
- E você está se lixando?
- Grau, grau.
- Agora eu perguntei.
Nesse momento, o ganso voltou sua atenção para uma criança que passeava pelas proximidades do lago, segurando distraidamente um saco de pipocas doces. Seguiu-a por uns momentos, mas logo desistiu, voltando para onde estava o homem do parque.
- O que é, não gosta de pipocas doces? - perguntou o homem, sentindo a decepção do animal.
O ganso abaixou a cabeça. Mas não estava triste; vira um pedaço de pipoca - desta vez salgada - no gramado onde estava, e o apanhou com o bico.
- Gosta mesmo disso, hein?
- Grau, grau.
“Mas que coisa”, pensou o homem, e, irritado, perguntou:
- Que diabo é isso de grau?
- Grau.
- Já sei. Grau e grau, grau. Você é um ganso, não uma gralha. Por que grau?
O ganso não deu atenção ao homem. Achara outro pedaço de pipoca salgada na grama.
- Estou falando com você.
- Grau - disse o ganso, distraidamente, talvez para tranqüilizar o homem.
- Grau, ou grau, grau?
- Grau - respondeu o ganso.
- Ah. E isso quer dizer o quê, exatamente? - perguntou o homem, confuso.
O ganso, aparentemente, não considerou a confusão do homem relevante, pois nada disse.
Levantando-se para sacudir um pouco as folhinhas de grama que haviam grudado em seu joelho, o homem do parque olhou em volta, se espreguiçou e voltou a se abaixar, desta vez sentando-se de frente para o ganso, que continuava a bicar pontos na grama à procura de pipocas salgadas. Depois de uns minutos, parou, olhou para o homem e disse:
- Grau.
- Escute aqui, como é que quer que eu responda, se não me ajuda? Poderia ao menos indicar para que lado é esse grau. E o grau, grau.
- Grau, grau - repetiu o ganso.
- Está parecendo um papagaio agora.
- Grau.
Em busca de mais pipoca e - seria o caso? - enfadado com a conversa, o ganso dirigiu-se até um casal de namorados. Constatando que nada comiam, seguiu até mais próximo do lago e caminhou ao longo de sua margem.
O homem do parque observou o animal se afastar com certa tristeza. Não conseguia entendê-lo. Por mais insólita que fosse a circunstância, sentia uma grande necessidade de se comunicar com o ganso, que era um animal do parque. Ele era o homem do parque. Zelador, talvez fosse o termo mais adequado, mas preferia como as crianças o chamavam: o homem do parque, com um misto de respeito e medo. Era ele que não as permitia brincar em determinados locais, ou pisar na grama de que ele cuidava com tanto zelo. Era zelador.
- Grau - gritou o ganso, já na margem oposta do lago, percebendo que o homem devaneava, chamando-lhe a atenção.
- Sei, sei - concordou o homem, sem saber ao certo com o quê, abanando a mão para o ganso.
- Grau, grau - gritou de lá o ganso, animadamente.
No dia seguinte, topou com seu amigo logo cedo.
- Grau – cumprimentou-o o ganso.
- Grau - respondeu o homem, dando-se conta em seguida do que fizera, e desatando a rir.
- Grau, grau - O ganso até pareceu se divertir também, mas continuou seu caminhar desajeitado, passando direto pelo homem, sem parar.
- Ei, aonde você vai, com tanta pressa?
Chegando ao seu destino, um grupo de crianças, o animal se deteve por alguns minutos, o bastante para se certificar de que nenhuma se alimentava no momento e voltou para onde estava o homem.
- Viagem perdida, hein?
- Grau...
- Deixe estar. Daqui a pouco sirvo sua ração.
- Grau, grau – protestou o ganso.
- Agora parece que você disse “não”. Grau, grau significa “não”?
- Grau.
- Se é assim, grau significa...
- Grau, grau, grau. - O ganso interrompeu o homem do parque, correndo desajeitadamente ao encontro do homem do carrinho de pipoca.
- E mais essa agora? O que significa grau, grau, grau?
- Grau – o ganso respondeu, voltando decepcionado. Só tinha pipoca doce.
Mais tarde, após terminar suas tarefas, o homem foi procurar seu amigo. Trazia pipocas salgadas. Em pouco tempo o ganso apareceu, todo serelepe:
- Grau, grau, grau.
- É exatamente sobre isso que quero conversar.
- Grau.
- Acho que já sei o que significa grau e grau, grau. Mas e grau, grau, grau?
- Grau.
- Bem, grau deve ser “sim” e grau, grau é “não”, certo?
- Grau - O ganso distraía-se com as próprias penas.
- Vejamos. Três graus só podem significar algo de que você goste muito... - Parou de falar por uns instantes, meditando. - Já sei! – exclamou, concluindo triunfante: - Três graus significam “pipoca salgada”!
- Grau - disse o ganso, e o homem, interpretando isso como um “sim”, já ia comemorar, quando o animal continuou: - Grau, grau. - Depois: Grau, grau, grau. – Por fim: - Grau, grau, grau, grau. – E pulou no lago, deixando o homem do parque desconsolado.
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