A Espanha de Javier Cercas
O país que está nos holofotes da mídia devido à crise econômica tem no seu escritor Javier Cercas um mural literário que expõe de maneira magistral a vida contemporânea pós queda de Franco. Da obra, selecionamos três grandes livros do autor que ganhou o Prêmio Nacional de Narrativa de 2010 e é um dos maiores talentos da atualidade: sua estreia em “O Motivo”, uma radical interação com o mestre Dostoiévski; “O Ventre da Baleia”, a composição de um virtuose do romance, e seu best-seller, que virou filme, “Soldados de Salamina”, o rescaldo da Guerra Civil espanhola fora do engessamento da vingança e do confronto, numa árdua e inesquecível celebração da tolerância.
Dostoiévski está na raiz de “O Motivo” (Editora Francis, 118 páginas), romance escrito ainda na juventude. Surpreende que na minuciosa análise do posfácio, acusado de panegírico pela imprensa espanhola, Francisco Rico nem cite o autor russo. Mas o livro é puro “Crime e Castigo”: um homem solitário premedita um crime, o assassinato de uma pessoa idosa que tem dinheiro guardado em casa, e remói seus argumentos a favor e contra esse desenlace.
Embalado pela desconstrução do romance feita pelas vanguardas do século 20, Cercas no fundo parece querer desmascarar seu mestre, pois no lugar de refletir o país onde vive com seus personagens atormentados, tudo se reduz à literatura, como se esta se bastasse e fosse um círculo de ferro onde o leitor fica encarcerado para sempre, já que o final do livro é exatamente igual ao seu início. Como em Dostoiévski, o que importa não é desvendar o crime (quem matou? Está claro que foi o escritor, esse Raskólnikov de gravata, esse personagem clonado do próprio autor). O que vale são os motivos que levam ao assassinato, aqui uma representação da trama da novela que está sendo lida.
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